Entrevista com Mestre Boca Rica – CDO Barcelona

Ricardo Ribeiro Cortes Corsi, Mestre Boca Rica, capoeirista, músico e gran pesquisador compartilha connosco parte da sua historia na Capoira.

Depois de muitos anos do lado do Mestre Suassuna chegou em Barcelona em 2008 e fundou junto com o Mestre Pantera o grupo CDO Barcelona que no mes de Março de 2019 (quando fizemos esta entrevista) cumpliu 10 anos.

Como você começou na capoeira?

Obrigado, primeiro, a todos vocês, pelo convite. Parabéns pelo projeto do Papoeira. Acho que é isso que a capoeira precisa agora, no momento, pessoas que pensem capoeira, que busquem informações, que possam tá divulgando isso pras pessoas mais novas que estão chegando, né.

É muito importante essa pesquisa.

Eu comecei na capoeira acho que era final de 1991. Bom eu sempre fiz esportes, né.. desde pequeno eu tive muita bronquite asmática, quando eu era pequeno, e os médicos recomendaram pra minha mãe me colocar para fazer esportes.

Então… desde os 3 anos eu nadava, e paralelo  a isso minha mãe sempre buscou uma arte marcial…então, eu fiz primeiro natação e judô, aí fiz alguns anos de judô, aí parei, aí depois comecei a frequentar o karatê. E depois de alguns anos também, fui para o tae kwon do.

Foi um pouco assim, me identificando com a arte e “desidentificado” com o professor. Os professores me fizeram desinteressar pelas artes. O judô, depois o karate, o taekwondo foram algo que os professores fizeram com que eu mudasse a modalidade…eu chegar depois de um certo fato, eu cheguei em casa, as 3 vezes que eu mudei, “ah, não quero mais fazer…judô”, eu falei com meu pai, tal, aí passou um tempo e “ah, vamos tentar karatê”… aí na academia onde eu frequentava lá tinha algumas modalidades…

Mas comecei em 91 por conta de um amigo, que inclusive já veio aqui no nosso trabalho, que é o César, que depois, passou um tempo e ele até se tornou aluno meu durante um tempo. Ele começou capoeira antes na nossa escola, que era o Colégio Mackenzie, em São Paulo, e lá tinha capoeira 1 vez na semana, que era um professor chamado Teti, que era formado do Mestre Canhão, aluno do Mestre Bimba, que tinha uma academia muito tradicional em São Paulo, chamada K-poeira (o K era um cara fazendo um AU, o desenho..) e era perto lá também do Mackenzie, mas quando eu comecei capoeira essa academia do Mestre já tinha fechado.

E ele ia lá todo mês, depois o Teti, esse professor, ele aumentou para duas vezes na semana e o Mestre Canhão ia uma vez na semana, nos dias que fazia a roda e tudo… E o meu batizado, primeiro cordão que eu ganhei, foi na casa do Mestre Canhão.

E aí, o tema dos professores né… o professor também não tinha muito aquela didática e ele se desentendeu com o meu melhor amigo, que era o César. E eu fiquei um pouco deslocado, não me sentia muito bem treinando lá, e alguns amigos já tinham ido pra uma outra academia de capoeira, buscar treinar mais vezes, e também por conta do comportamento, né…

Então eu falei também em casa, com meus pais, e por coincidência o meu irmão tava andando de bicicleta perto da casa da minha avó – a minha vó morava a meio quarteirão da academia que o Mestre tinha acabado de abrir, que era no Largo da Santa Cecília, em São Paulo, pertinho do Mackenzie, rua Dona Veridiana, era a rua que ligava a Universidade Mackenzie com o metrô Santa Cecília – então meu irmão tava andando lá e ele falou “eu vi lá uma academia do lado da casa da vó, tava escrito Mestre Suassuna”.

Aí meu pai, na mesa, ele tava assim comendo, e falou “não, deve ser o filho dele, porque eu treinava com ele quando eu tinha a idade de vocês, e ele já era velho…”. E aí ele falou “se for ele pode ir lá, vai lá… ” que na época ele era o melhor em São Paulo. E já me deu consentimento para eu ir… Aí eu cheguei, era ele, não era o filho dele, cheguei…

Eu lembro do primeiro dia que eu cheguei lá e tava tendo uma reunião de mestres – na época eu não sabia que era uma reunião – eu lembro que tavam os mestres sentados, assim, perto do escritório, aí eu cheguei e falei “ah, quero fazer minha matrícula..” E o Mestre Suassuna levantou, pôs a mão no meu ombro..”calma, bebe uma água aqui…” – tinha um bebedouro lá, eu bebi a água e ele falou “agora você volta aqui amanhã no mesmo horário pra fazer essa inscrição…”.

E aí a partir daí fui ficando…Eu fiquei uns 6 meses nos dois. Eu falei com ele que eu treinava lá no Mackenzie, então eu ia lá 1 vez na semana, e duas, tres vezes eu treinava lá com ele, até que eu já me viciei em capoeira e aí eu falei com ele, ele me deu o cordão da academia dele, que era o primeiro né..na verdade eu fui batizado com 3 meses de capoeira, um pouco menos, ou mais, sei lá…E aí chegou lá e o Mestre Durinho, que é falecido hoje, ele fez um cordão e o Mestre me entregou na roda, simbólico, né…

E a partir daí fui ficando até que eu deixei lá o Mackenzie, foi 1 ano mais ou menos que eu treinei nos dois, até que eu deixei lá no Mackenzie e comecei a treinar só lá com o Mestre.

E aí nesse processo, eu trouxe o Cesar, que treinava em uma outra academia em São Paulo, chamada Malungo. Alguns alunos do Mackenzie tinham ido treinar nessa academia, uns amigos, uns 4 ou 5 amigos que a gente era bastante unido…amigo de rua, né, andava de skate, pegava rabeta no busão, aquelas coisas…e aí eu trouxe o Cesar para treinar com a gente, lá na academia do Mestre, e aí foi um processo viciante, né, fomos ficando, fomos ficando…até que ..

(Você treinava quantos dias?)

Aí era todo dia, né, de segunda a segunda… na academia e segunda a sexta, a minha aula na escola era de 7h30 às 12h10, aí eu chegava em casa, comia, ia pra academia, chegava 15h e ficava lá até 2h, 3h da manhã…às vezes dormia na academia, ia pra aula, voltava, comia….Então durante um período, assim de 3, 4 , talvez 5 anos, foi muito intenso, assim, muito!

De dormir lá, tomava conta, sempre revezava, né, Foi um período que até o ano de 97, se não me engano, aí chegou o Contra-Mestre Tourinho, que foi quem tomou conta da academia pro Mestre, mas até esse período a gente ia revezando as aulas…

Tinha o pessoal mais velho, que era o Mestre Durinho, o Mestre Tião, hoje o Mestre Carlos, e outros, depois veio o Mestre Xavier, com quem eu também tive aula por quase um ano com ele, e outros..o Mestre Bilisco, que o Mestre também estava tentando resgatar ele…tive muito tempo aula com ele. Nesse período era muito instável as pessoas…não tinha um fixo tomando conta, então eu fui muito feliz nesse processo porque eu tive muita aula direto com o Mestre mesmo. E muitas vezes eu e ele.

Então nesse processo eu tive essa felicidade de poder ter esse contato mais próximo, né.

Era normal que um aluno iniciante tivesse aulas direto com o Mestre?

Sim, o Mestre dava muitas aulas na prática, né. Eu fazia sempre, no meu primeiro período na academia sempre as aulas das 15h30. De 15h30 às 17h essa aula sempre era ele.

As aulas da noite, ele também, geralmente ele fazia todos os dias de 18h30 às 20h ele que dava aula e depois de 20h30 às 22h algum adiantado dava aula.

E depois, com o tempo, quando a academia foi estabilizando, alguns antigos foram voltando, outros novos foram ficando, aí ele escolhia o dia a noite que ele queria dar aula e tal…Ele dá aula até hoje né…o Mestre, acho que quando ele parar…já não dá mais pra ele.

Porque ele realmente tem uma personalidade muito ativa, assim, e eu não vejo ele parado. Por mais que ele esteja cansado, às vezes ele não tá naquela disposição física…eu conheci ele tinha 55, 56 anos…hoje ele tá com 80. Então, era outra disposição física mesmo, biológica…ele tava ali, tal. E as pessoas também vão mudando, com o tempo.

Mas era normal, sim, todo mundo que entrava lá na academia tinha aula com ele.

É interessante que é começar com judô, depois karatê, depois taekwondo…para mim, como estrangeiro, que não conheço…como aconteceu isso? Porque para mim capoeira é uma coisa tão brasileira, que não sei…

(Cutia: Mas é engraçado, porque as pessoas têm essa ideia também do Brasil, de que capoeira é algo muito… mas não é tanto, né Boca? Depende também muito do…)

Eu acho até que, no Brasil, tem uma americanização das coisas, né?.

Tem muito menos preconceito com essas artes marciais, até hoje, do que com a capoeira.

Capoeira, historicamente é coisa de malandro, de vagabundo, e quando eu realmente… no princípio não, minha família sempre, aliás depois também, sempre me apoiou, mas quando eu decidi que ia viver de capoeira, eu tive que trabalhar sério para que eles realmente aceitassem até o ponto de me…sempre me apoiaram, na verdade, isso eu não posso falar, mas teve uma resistência quando eu falei que queria viver disso, né.

E eu acredito que se eu fosse um professor ou mestre de karatê não teria isso, não existiria… E eu vejo um pouco, assim…eu comecei muito cedo, com 3, 4 anos, mas são artes que eu não tenho memória.

Talvez lá no meu inconsciente tenha alguma coisa, assim, fisicamente e tal, mas eu não guardo nada dessas artes, assim. Não sei…talvez eu sei contar até 10 em japonês, mas foi quando eu conheci a capoeira que eu vi realmente um outro lado de uma coisa que é realmente, eu acho que era justamente o fato de ser algo alegre, de não ser algo tão sério, né, porque essas artes marciais você entra, é aquele silêncio, e eu não me identificava tanto com aquilo.

Eu lembro que… a última arte marcial foi o tae kwon do, que eu pratiquei antes da capoeira, e o que me fez parar foi uma aula que o professor me obrigou a abrir o espacate forçando a minha perna até… eu tinha 12 anos, eu saí da aula chorando…acho que é por isso que meu alongamento não é tão bom hoje….!!

E a capoeira tem um pouco essa coisa meio informal, tá na rua…eu lembro que a primeira vez que eu vi, mesmo, foi paixão à primeira vista. Eu vi os caras fazendo aú, o outro dando mortal, aí no primeiro dia o cara chegou, deu dois passos na parede e virou o mortal, aí eu falei “nossa!!”… e eu moleque…aí eu quis aprender esse lance.

Aí vi os caras tocando berimbau, falei “nossa, que legal, diferente isso aí, né…”. Aí comecei… e por sorte, aquilo que a gente tava falando lá no intensivo, o meio social também é muito importante né, porque a gente começa.

Então eu tinha muitos amigos, e por sorte o César, que depois, nesse processo, tava virando meu melhor amigo nessa época, também fazia e a gente virou, nessa época, unha e carne.

Durante muitos anos andava junto, viajava, ia pra casa do mestre treinar no fim de semana, voltava, então..teve um processo muito legal.

E aí Boca, lá no Brasil é a nossa cultura e tal, mas é mais difícil entrar por essa coisa da questão social, e porque é muito também, tem muito mais gente…Aí você veio pra Barcelona. Não sei se foi um choque, sair do Brasil e chegar aqui em Barcelona, trazer a capoeira pra cá…como que foi esse processo de sair de lá e vir pra Barcelona com a capoeira?

Choque não teve não porque foi algo mais ou menos programado. Eu queria já ir pra fora, eu já tinha tido uma passagem nos EUA, de uns 7 meses junto com Mestre Chicote, e já queria um pouco sair do Brasil.

Quando eu saí de São Paulo eu fui morar em Belo Horizonte, fiquei 3 anos, mas antes de eu ir pra BH eu programei com a minha ex esposa e aí a gente falou, “quando você se formar na faculdade vamos pra fora, um pouco?”.

Então foi um pouco programado, nesse sentido. E a gente veio tentando trabalhar com a cultura, e eu, principalmente meu carro chefe é a capoeira, né, vem toda uma bagagem junto, mas a capoeira é o carro chefe. E foi , e é uma luta diária, a gente tem que ter principalmente persistência e constância, eu acredito, né.

Tem altos e baixos, tem hora que desanima, né… outro dia eu tava num evento e uma menina falou assim “mestre, você já pensou em parar de capoeira?” aí eu falei “nó, só hoje acho que umas 3 vezes...”. Porque, claro, é muito bom, é muito gratificante.

A capoeira, pra mim pelo menos, foi muito gratificante ter a capoeira na minha vida. Tudo o que eu consegui foi através dela, mas tem as suas inconstâncias também, né, tem o cansaço, tem todas as coisas que eu acredito que toda profissão deve trazer a longo prazo, né.

Toda profissão tem uma hora que dá um cansaço e tal, mas é a hora que você tem que pegar pra se reciclar…Nesses 10 anos eu acredito que eu, como pessoa, fui mudando também, né, pelas circunstâncias da vida, então fui mudando um pouco a didática, a maneira de tratar os alunos, de me tratar como pessoa, de buscar coisas novas quando o corpo já não funciona com coisas antigas, buscar alternativas de metodologia, de passar um exercício, então você vai mudando.

Eu acredito que quando você sai da aba do seu Mestre você pega uma gama muito forte desses elementos didáticos e durante um processo, que eu acho que é natural, quase todos os alunos passam por isso, de um pouco copiar o seu mestre.

E aí com o passar do tempo, já tem 10 anos que eu tô distante do meu Mestre, assim, estamos próximos, mas fisicamente distante, não tem aquela reciclagem, né, que a gente tem sempre com ele. Ele é uma pessoa muito criativa, sempre foi, e a gente tem que buscar essa criatividade em outras coisas.

Fazendo aula com outros profissionais, não só de capoeira, fazer aula com pessoas que trabalham com corpo, com música, com teatro, com dança, tudo que a capoeira pode agregar pra gente e tentar botar isso na sua aula.

Sempre passa muito pela minha cabeça que a gente vem de uma cultura popular que é essa coisa de, como no maracatu, que é “o mestre falou, é isso aí…” E isso eu me choquei muito com as pessoas daqui que falam “não é porque essa pessoa vai me falar…ela é mestre aqui mas em outro lugar, tal…”. E aí eu fui também mudando um pouco a minha cabeça, eu imagino que pra você também.

Então eu queria que você falasse um pouco da sua relação, tanto pela coisa boa quanto conflituosa também, que você provavelmente você deve ter tido com o Mestre por viver tão próximo, e como você sendo mestre agora, e você lidando com os alunos daqui, que também não são do Brasil, são alunos europeus, a maioria, como que você vê essa relação entre Mestre e aluno?

Nossa, que pergunta boa e longa né…?!

Bom, eu acredito que essa resposta vai um pouco ligada com o que eu falei anteriormente, né. A gente vai mudando. Tem os dois lados, né? As pessoas aqui, eu sinto às vezes uma resistência no sentido de, igual você falou, “ah, não é porque ele é Mestre alí que ele vai me falar aquilo…”. Então tem as duas caras.

Eu acredito, sim, e eu acredito que no meu ponto de vista de ensinar a capoeira hoje, eu sempre fui muito tranquilo e seguro com o que eu faço, então eu não tenho essa possessividade com aluno.

O aluno não quer tá, ele tem o direito de ir pra outro lugar, de escolher outro professor, outro Mestre…E isso é natural. O sentido de poder passar o que você gosta, você tem que estar sempre se reciclando.

A minha ligação com o mestre, eu era um adolescente, ele era uma pessoa bem mais velha, né, eu tinha na época, 12, 13, 14, 15..pô, eu fiquei do lado dele mesmo 15 anos e eu comecei com 55, ele tinha 55 né, então foi até mais ou menos quase os 70 anos que eu tava próximo a ele. Então, querendo ou não eu não posso negar essa influência na minha vida, né?

E ele, eu sempre consegui ter uma boa relação com ele justamente porque quando ele se passava eu sabia me impor, mas com muito respeito porque, eu também acredito na bagagem que a pessoa mais velha traz. E nem digo mais velha de idade, né, que nesse caso, sim era, mas também dentro de uma determinada disciplina ou arte.

Então você passa 20, 30 anos, claro, tem casos e casos, mas se a pessoa é uma pessoa ativa, tá se reciclando, tá buscando, tá trabalhando, tá dando aula, eu acho que vale a pena sempre ouvir o conselho dessa pessoa, né? E, o Mestre, por ter um caráter  muito forte, uma personalidade muito forte, às vezes ele realmente, igual você falou, não só eu, como acredito que todos os alunos, tiveram momentos de conflito.

Eu vi muitos saírem de lá falando mal, tendo um olhar já mais negativo, ou malicioso, ou “ah, esse cara me põe pra baixo”. Eu não sei se é pela minha relação que eu tinha de proximidade ou de amizade, ou justamente de saber falar “não” pra ele, mas com respeito, e ele sempre me respeitou nesse sentido.

Então, eu sempre consegui transformar esse lado negativo dele em algo positivo pra mim. Eu tentava ver o lado bom das coisas que ele queria me ensinar através de xingo, através de cobrança e tudo…E hoje eu aqui, transpondo o que eu aprendi com ele, eu tenho os meus momentos também de aspereza, mas acho que nem se compara.

Tem momentos que a gente quer cobrar dos alunos, e pode cobrar, mas justamente por essa diferença, primeiro de idade, segundo a cultural, eu acho que a gente pode passar a mesma coisa de uma outra maneira.

Se eu fosse ensinar aqui da maneira que eu aprendi, eu não teria alunos.

Pela sociedade que é, pela idade que é, pela história que é, é outra história, é outro contexto mesmo, né. Hoje o Mestre ele tem a capacidade de fazer e de selecionar quem ele quer que treine com ele. Ele já chegou nesse patamar. E eu aqui não…se eu perder 5 alunos, pra mim dificulta na mensalidade da academia.

Isso eu tô falando só do dinheiro, mas o dinheiro é a última coisa que envolve quando você se relaciona com as pessoas. Então às vezes as pessoas que estão com você 3, 4 anos, 5 anos, “ah, não quero mais…”… você tem que respeitar, “uai, tá bom”, que que eu vou fazer, né?

E isso pra gente é sempre um aprendizado, uma evolução da nossa consciência como professor.

Por causa de você estar tão próximo ao seu Mestre, você recentemente escreveu um livro. A gente queria saber um pouco de como foi esse processo e também um pouco de como ele recebeu esse presente  que você fez de escrever um livro sobre a sua vida e a sua história na capoeira.

Eu tive essa ideia de escrever o livro um pouco antes de eu me formar em capoeira. Em 2004 eu me formei na turma que depois ele veio chamar de “geração miudinho”, porque foi com a nossa turma que ele terminou de finalizar essas sequências de ensinamento do jogo do miudinho.

E aí na minha formatura, pô, eu sempre viajei acompanhando o mestre, e tive uma relação próxima e tudo, e realmente eu acompanhei de perto  a influência que ele é dentro do mundo da capoeira, não só no grupo Cordão de Ouro.

Eu desde o meu princípio, cordão verde, eu comecei a viajar com ele e, na verdade, no princípio onde eu menos fui foi do grupo Cordão de Ouro. Eu ia a muitos grupos e via como ele era realmente muito importante dentro da capoeira. E aquilo me marcou num processo assim…

Eu comecei a dar aula no ano de 96 e aí, desde então, só trabalho com capoeira. Claro que a gente vai se virando, né, faz outras coisas…já fui garçom, segurança, professor de academia…já fiz de tudo um pouquinho, mas a capoeira sempre foi… E aí de 96 a 2004 eu já dava aula. Em 2004 eu me formei .. Eu sempre gostei de pesquisar muito a capoeira.

Pesquisar, ler…tinha um recorte antigo, eu guardava, se tinha uma fotinha pequenininha no canto da página, eu guardava aquela página do jornal…eu ia em sebos em São Paulo buscar livros, buscar discos, LPs, tudo que era capoeira. Às vezes eu passava lá 2, 3 horas no sebo..”tem capoeira?!”, aí ia pra outro sebo.

Então eu tenho um arquivo muito grande. E aí um dia eu falei, “ah, vou começar a organizar..”. Mas foi um processo que não foi assim, “vou fazer o livro”, peguei e fiz. Não.. eu primeiro tinha muito material e eu tava um pouco perdido, aí foi um processo que eu “ah, isso aqui talvez sirva pro livro”, aí eu vinha, organizava… Aí o primeiro processo foi separar tudo o que se falava do Mestre, depois botar em ordem cronológica.

E aí nas minhas viagens, quando eu já tinha essa ideia de escrever o livro, eu comecei a entrevistar os Mestres que poderiam falar e relacionar alguma coisa ao Mestre.

Então eu fui pra Bahia, aí entrevistei Mestre Maneca, depois entrevistei o Mestre Flávio, depois entrevistei o Mestre Sarará…aí eu fui ligando…

Aí eu tinha alguns materiais que já eram entrevistas que o próprio Mestre fez e outras coisas que era de material audiovisual.

Aí, quando foi em 2013, minha família foi pro Brasil e eu fiquei um inverno inteiro aqui sozinho e nesse inverno eu decidi construir a coluna vertebral do livro.

Foram 4 meses que eu tava sozinho, ficava em casa no computador… Eu tinha feito uma entrevista com o Mestre, que era uma entrevista de quase 4 horas, e dessa entrevista eu peguei, realmente, a base do livro. E daí eu fui pegando histórias que outros Mestres contavam e que se relacionavam a essa história, às histórias que o Mestre contava.

E a partir daí fui montando as fotos, até que em 2017, no cinquentenário da Cordão de Ouro, eu consegui lançar o livro, que esse ano, agora em maio, vai ser lançado em russo, em Moscou.

Qual foi a entrevista que você fez pro livro e que mais gostou, que você mais se surpreendeu?

Na verdade o Mestre, pra mim, sempre foi uma caixinha de surpresa.

Porque muitas vezes eu duvidava das histórias dele. Ele contava, eu falava “esse cara tá mentindo…”. E passado um tempo, 2, 3 anos, alguém ou alguma coisa me provava que era verdade. Aí, na verdade, as histórias mais surpreendentes foram dele, sem dúvida nenhuma.

Mas como ele é a pessoa principal do livro, né, a parte dele….

Eu gostei muito de uma passagem que o Mestre Caverinha, não foi uma entrevista, na verdade… eu pedi que ele escrevesse algo para o livro e ele me escreveu.

E era uma história que eu sempre ouvia dos outros mais velhos, e ele escreveu, assim, de uma forma bem legal também…bem interessante essa história. E foi uma briga que o Mestre teve com o Mestre Bilisco, um desentendimento em um bar, e o Mestre Marcelo conseguiu resumir de uma forma bem poética, assim, achei bem legal a maneira como ele escreveu.

O livro é Mestre Suassuna – Zum zum zum Cordão de Ouro

Você chegou a ter muito contato com o Mestre Suassuna nessa época que você estava mal?

Não, não cheguei não.

Um momento, inclusive, que eu tava bem distante dele, tanto de telefonema como de mensagem.. passei esse período mais introspectivo, olhando pra dentro… exatamente, essa é a definição…

Foi um período mais difícil, depois que eu fiz a cirurgia do meu quadril, né, que eu tive uma lesão que os médicos diagnosticaram como um tipo de lesão na cartilagem do fêmur e do acetábulo do quadril.

E era algo que eu já sentia dor há muitos anos, há uns 7 ou 8 anos que vinha trazendo a dor, tentando tratamentos alternativos e, quando eu decidi operar, eu esperei mais 2 anos e meio.

Então foi um processo, assim, um pouco duro e que, na verdade, quando eu operei foi um colapso nervoso, né, em vários sentidos. E foi um processo de mudança de vida, assim, muito grande.

Eu acho que tudo vem pra fortalecer.

Hoje eu me vejo mais forte, não é qualquer coisa que abala. E a gente busca justamente essa força no interior, acho que mais que em qualquer outro lugar…não tem outro lugar pra você buscar.

Quando você tá num momento ruim da sua vida, às vezes as pessoas se desesperam, e tentam buscar, apontar o dedo pra outras pessoas, e acho que é muito importante a gente olhar pra dentro e tá com a cabeça aberta para soluções.

Boca, e você segue a questão das apresentações, que vem do Grupo..Quais os tipos de manifestações, a parte da capoeira, que você busca explorar no seu grupo?

A base que eu faço é um pouco o que a gente fazia no Mestre.

Então sempre teve o maculelê, a puxada de rede, a dança guerreira e, a parte disso, eu também tenho a minha pesquisa pessoal.

Então a gente foi agregando outras coisas como o coco, o jongo, e coisas que eu aprendi com outros Mestres, tipo o Mestre Brasília, que sempre me aportou muita coisa pra minha capoeira, então o samango, o samba de angola, e essa parte musical que eu tento sempre tá, de alguma maneira, buscando criar alguma coisa nova.

Criar no sentido de compor, ou de fazer um arranjo…eu tenho algumas composições de samba, tenho a pretensão de gravar, em breve, e, a parte disso, a parte da composição da capoeira também. Que eu sempre gostei de fazer algumas letras pra capoeira, comecei de uma forma, assim, despretensiosa e, depois, vi que algumas pessoas iam gostando e isso vai te dando mais confiança e vontade de fazer coisas novas.

A sua referência, a parte do seu Mestre, quais são?

Eu acredito que lá em São Paulo, quase todos os alunos que tiveram passagem na academia do Mestre, que já eram mais velhos, que eram Mestres, tem a sua parcela…Mestre Xavier, Tião, Durinho, Sarará, Zé Antônio, Ponciano…essa galera já era Mestre, quando eu entrei. Se não era Mestre era Contra-Mestre, já eram pessoas com um trabalho ativo, que sempre foram uma inspiração pra gente que era mais novo.

Mas tem algumas figuras que marcam mais a gente, né?.

Então eu posso dizer, com certeza, o Mestre Brasília, que é uma pessoa presente nesse tempo em que estive lá em São Paulo, ao lado do Mestre.

O Mestre Brasília é muito calmo, né, muito quieto, mas sempre ele vem com aquela frase que te abre a cabeça. Pelo menos comigo, na hora que eu tava precisando, ele veio e falou coisas que me marcaram.

E o Mestre Acordeon é uma pessoa muito próxima também, que eu criei muita estima e admiro muito como ele vê e leva a capoeira, ensina capoeira…

Acho que são esses mesmo…mas, acaba que a gente leva um pouquinho de cada mestre que a gente passa, né…O Mestre João Grande é uma grande referência para mim, tive a oportunidade nos últimos anos de estar um pouquinho mais próximo ao Mestre, de encontrar ele em várias situações e também é uma pessoa que, você estando ao lado do Mestre, ele sempre vai estar te ensinando alguma coisa.

O Mestre João Pequeno, durante o tempo em que ele tava vivo, durante quase 10 anos eu ia todo ano em Salvador e fazia questão de ir treinar lá na Academia do Mestre…eu o encontrei em vários eventos também, em Belo Horizonte, em São Paulo, em Curitiba, então eu tive passagens muito memoráveis ao lado do Mestre João Pequeno. Eu era fã de carteirinha dele…

Eu acho que a gente pode encerrar com a pergunta do seu conselho para as pessoas que estão chegando, as pessoas novas na capoeira…

Bom, um conselho…

Eu acho que é a primeira resposta que eu dei aqui, que é disciplina, constância e muito amor pela capoeira.

Se você tá começando a trabalhar com capoeira, a gente sempre tem a perspectiva de crescer na vida, né, a capoeira abre muitas portas, mas eu acho que ela tem uma energia muito forte, que sabe filtrar as pessoas que cuidam dela com carinho.

Então, ame a capoeira, dedique, faça com amor, faça com dedicação, e disciplina, né, constância, que você vai conseguir. E é muito gratificante a vida da capoeira.

Massa Boca, brigada por ter vindo.

Brigada vocês!

Já pensou em desistir da capoeira hoje?

Não, hoje não…(rs)

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