Mestre Nenel, filho de Mestre Bimba e autor do livro Bimba. Um século da Capoeira Regional.
Nasceu em Salvador de Bahia no 26 de Setembre de 1960, já nos primeiros anos da sua vida viveu no meio da Capoeira mais fou com 6 anos quando começou a treinar mesmo.
Em 1994 fundou a Fundaçao Mestre Bimba e todo o seu trabalho è focado na divulgação e respeito dos fundamentos e principios da Capoeira Regional.
Podem ouvir a entrevista no 5º episódio do nosso Podcast.
Mestre Nenel, é um prazer, queria agradecer primeiro a disponibilidade e o tempo pra entrevista, que imagino que aí no meio das atividades do evento e do lançamento deve estar bastante intenso. Tercinha, brigada também por ta fazendo a ponte, pro Asa também, brigada aí por vcs estarem fazendo ess conexão.
Então, pra começar mestre, queria saber um pouco da sua trajetória na capoeira…o senhor deve ter começado de forma natural né, por causa da presença de Mestre Bimba em casa. Realmente foi assim? Como é que começou o seu interesse pela capoeira, como que vc começou a treinar?
Bom, pra falar da minha trajetória na capoeira, da pra escrever um livro só disso porque a minha trajetória é a minha vida inteira. Mas, em resumo, oficialmente, eu comecei em 1966, com 6 anos, 7 anos, né…Antes de completar 7 anos em 1967 eu me formei, recebi o meu lenço azul, minha medalha de honra ao mérito, por ter concluido o basico, né, o curso da capoeira regional e a partir daí eu comecei a fazer parte do grupo de demonstração, aí eu já fazia capoeira, samba duro, maculelê, puxada de rede, etc.
E já comecei nessa época mesmo a viajar junto com o grupo com o meu pai, em alguns interiores, em alguns estados da Bahia, e em 73 quando a gente mudou pra Goiânia, meu pai começou a adoecer, eu comecei, eu e meu irmão a dar continuidade às aulas dele lá em Goiânia, no lugar dele.
Depois, como havia combinado né, meu pai tinha pedido pra minha irmã de criação me levar pra Brasília se caso ele falecesse, e foi o que aconteceu, eu fui pra Brasilia e depois de 1 ano em Brasilia eu abri minha primeria escola oficial, fique 2 anos em Brasilia, e depois eu voltei pra Salvador, dei um tempo com aula de capoeira, fiquei mais participando em grupos de show folclórico, capoeiras de rua, de outras academias de capoeira, até que em 84, a convite de um discipulo de Bimba, ele me ofereceu um horário na escola dele e aí eu comecei a trabalhar aos poucos de novo a capoeira, e nessa época era a capoeira que tinha aqui, a capoiera tudo misturado, não tinha uma capoeira assim defendida, pelo menos na minha visão, e eu fiquei 2 anos mais ou menos trabalhando com essas capoeiras que tinham.
Depois eu comecei o resgate da capoeira realmente como eu aprendi, a capoeira regional, a partir de 86 eu registrei a minha escola e aí eu comecei a dar meus primeiros passos de volta as minhas origens.
Ser filho do Mestre Bimba deve significar muita coisa pra alguém que vive, respira e come capoeira, como o senhor. Como era sua relação com ele? Existia separação entre a figura do pai e a do mestre de capoeira? Ou ela se confundia muito? E quando você firmou e decidiu seguir na capoeira e seguir seu trabalho, de que forma lidou e ainda lida com a responsabilidade de seguir os fundamentos e ensinamentos dessa lenda da capoeira?
Olha Cutia, isso tem 2 lados, né. Um lado que facilita e um lado que da meio que..complica pra mim as vezes, porque eu sou muito muito muito cobrado. Atualmente eu já consegui superar, mas eu passei uma fase que era meio complicado pra mim, associar essa coisa de ser o filho do homem.
E em relação ao meu pai, como que ele era em casa, ele era igualzinho na academia, meu pai nunca dissociou os ensinamentos da capoeira com a forma de educar as pessoas, assim como dentro de casa com os próprios filhos dele de sangue…então não tinha essa separação do mestre e pai não, era tudo misturado. Ao mesmo tempo que ele era pai, ele era meste tb.
Como é lidar com essa expansão da capoeira regional? Como você mesmo disse, em algumas afirmações, que o Mestre Bimba ele falava que criou a capoeira regional para o mundo. Seguramente graças a muitos dos seus feitos é que ela chegou…inclusive hoje, tô treinando aqui na Europa, existem pelo menos uns 30, 40 grupos de capoeira só em Barcelona. Só que ela como cultura viva, é natural que muito da sua essência se perca, e que haja muita confusão e equivocos a respeito da história da capoeira mesmo… Como você vê esse fato? Queria um pouquinho da sua opinião.
Olha, é bom a gente ficar atento que uma coisa é a expansão da capoeira em si, outra coisa é a expansão da capoeira regional. Porque a partir da morte de meu pai, as pessoas começaram a ter uma definição de capoeira regional como uma capoeira que jogava em pé, que joga rápido e etc e outras coisas mais que tem pelo mundo.
E eu sempre falo que essa expansão da capoeira em geral, sempre é benvinda, meu pai queria que a capoeira se espalhasse pelo mundo. Agora, não são todas as capoeiras que a gente poderia dizer que é regional porque a capoeira que se chama regional é o método, os rituais e os principios do Mestre Bimba. Se vc não tá dentro desses 3 parâmetros vc tá fazendo uma outra metodologia de capoeira que tem o mesmo valor da capoeira regional.
E, bom, falando um pouco dessa resistência da capoira regional, sempre existiu, me imagino que muito na época, no momento da criação, imagino que tivesse existido muita crítica em relação a essa criação. E apesar de hoje, né, depois de um século de existencia e de muitas provas da importância da criação da capoeira regional, ainda existem pessoas que criticam muito. Como que vc reage a essas criticas?
Olha, eu não entendo bem, eu não entendi bem na verdade a fundo o que vc quer dizer. Porque existe muitas críticas em relação ao meu pai que são equivocadas e principalmente se for falar do método de ensino dele e os seus rituais, quem fala normalmente alguma coisa contra, alguma crítica, é porque com certeza, com toda certeza, não conheceu e não conhece o trabalho do meu pai, o trabalho do Mestre Bimba.
Por isso que as pessoas falam, porque eles usam como parametro a capoeira que tá no mundo, que tá espalhado pelo mundo, como vc mesmo perguntou na coisa da expansão, então tem muita coisa dessa expansão que nada tem a ver com o trabalho de Bimba, que nada tem a ver com a filosofia Bimba, e as pessoas criticam em cima disso.
E em relação a algumas críticas do passado, que eu saiba até hoje as pessoas que não seguiram o caminho de Mestre Bimba, como o exemplo do Mestre Pastinha, ele nunca criticou Bimba não…pelo contrário, até a repórter ficava forçando pra ele falar alguma coisa e ele falava:
“olha, quem sabe da capoeira regional é o Mestre Bimba, vai lá falar com ele…”.
Então não tinha essa coisa…hoje é que tem essa separação e essas crítica, né, equivocadas.
E aproveitando, falando um pouco da essência, eu queria saber como é que a capoeira regional, comparando com ela quando foi criada, e como ela é hoje. O que vcs aí da academia fazem questão de manter ou que vc acha tb que é legal de mudar ou o que mudou?
Olha, se a gente mudar deixa de ser regional. A gente desenvolve a capoeira como o meu pai desenvolvia ela sempre, mas como os pés no chão, com a coisa das origens, das raízes, da matriz.
Então, a nossa escola continua fazendo a mesma coisa, não na mesma intensidade, que o meu pai era um gênio, era um fenômeno na história da capoeira. Então quem sou eu pra ter a mesma capacidade de evolução como ele tinha. Mas a gente continua evoluindo a capoeira sem descaracterizar ela. Se vc muda as coisas, deixa de ser…é uma outra coisa.
Vários grupos, inclusivo o que eu treino aqui, o Cordão de Ouro, usam muito dos fundamentos da capoeira regional, ainda que não seja capoeira regional em si. Muitos mestres passam por aqui, muitos mestres que já treinaram com mestres que treinaram com Mestre Bimba, e muitas das pessoas usam as sequências, ainda que modificadas, com algum objetivo especifico…e muitas vezes a sequência do mestre Bimba chega com algumas modificações… como que é a sequência hoje? Ela mudou, em relação à criada pelo Mestre Bimba? Algumas coisas, do tipo, começar com a perna direita ou seguir aquela sequência estrita….como que é a sequência do Mestre Bimba hoje em relação ao momento em que ela foi criada?
Na nossa escola a gente continua fazendo a mesma. Porque a sequência são os movimentos bem básicos, bem simples, então se vc modifica ela, vai deixar de ter o mesmo sentido, o mesmo objetivo que é de facilitar o desenvolvimento das pessoas que não sabem nada de capoeira.
Então vc não pode mexer na sequência achando que tá evoluindo porque o meu pai criou a sequência não foi pra capoeirista e as pessoas hoje em até curso de sequência pra capoeirista…e isso é uma inversão de valores. Meu pai criou a sequência pra quem não sabe nada. Quando vc já sabe jogar capoeira ela é um simples aquecimento, até como um certo treinamento mas não tem muito sentido pra quem já é capoeirista.
Então quem é regional passa a ser uma coisa tradicional. Nas nossas aulas sempre, a gente dá aula normal e no final a gente faz sequência, cintura e tem que jogar ao som do berimbau do são bento grande, as vezes a gente toca outros ritmos, mas o são bento grande todos os dias, a sequência e a cintura tem que ser feita todos os dias na aula.
O que é que faz um grupo ser essencialmente um grupo de Capoeira Regional?
Pra ser um regional basta obedecer os principios deixados pelo Mestre Bimba, aplicar a sua metodologia e os rituais.
E, claro, agora falando um pouco sobre o livro. De onde surgiu a ideia de escrever esse livro e como que foi esse processo?
Minha querida, esse livro foi nascido, foi de certa forma bateu na minha cabeça essa necessidade justamente por pessoas como vc.
Todo canto do mundo que eu ando, todas as pessoas que eu passo por aí por esse mundo da capoeira sempre tem perguntas nesse nivel que vc me perguntou aí, e aí eu pensei que eu tinha que dar um jeito de escrever alguma coisa, porque vai servir, né, eu tô envelhecendo…vai servir ate pro futuro, vai servir de mapa pros meus discipulos, e pra ajudar a esclarecer essas dúvidas no mundo da capoeira aí….
E pra vc, Mestre, particularmente, como que foi? Porque me imagino que deve ter sido bem intenso porque é recordar memórias, que são não só da história da capoeira, que é um pouco a da sua vida de capoeira, mas também emotivos, como seu pai. Como que foi recordar e reviver essas histórias?
Em verdade não foi nem recordar nem reviver não, porque eu continuo, 24 horas eu tô sempre com ele na cabeça, e ele mesmo estando ausente fisicamente, mas ele continua sendo meu mestre, e tudo o que eu faço na minha vida é influenciado por ele, é guiado por ele. Muitas vezes as pessoas não entendem quando eu falo que meu pai vive e que eu tiro minhas dúvidas e que eu tô amadurecendo cada vez mais e que eu aprendo sempre com ele.
As pessoas não sabem como é que acontece isso mas comigo é assim. Tudo o que eu faço na minha vida o meu orientador é o meu pai, é o Bimba